Turismo de Base Comunitária em Remanescentes de Quilombos:
uma análise das comunidades do Vale Do Ribeira, São Paulo,
Brasil
Turismo Comunitario en los Remanentes de Quilombo: un
análisis de las comunidades em Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil
Community-Based Tourism in Quilombo Remnants: an analysis
of the communities in Vale do Ribeira, São Paulo, Brazil
1
Juliana Ferreira da Silva
https://orcid.org/0000-0003-3857-3771
fs.juliana1@gmail.com
2
Bruno Martins Augusto Gomes
https://orcid.org/0000-0003-2515-878X
gomesbma@ufpr.br
3
Anna Carolina Vargas de Faria
https://orcid.org/0000-0002-8902-7394
anna.vargas.faria@gmail.com
4
Universidade Federal do Paraná, Brasil
1
Manuscrito recibido el 15 de junio del 2021, y aceptado tras revisión editorial y de pares doble ciego el 14 de
septiembre del 2021. Turismo, desarrollo y buen vivir. Revista de Investigación de la Ciencia Turística -RICIT No. 15.
Publicación anual (2021) ISSN: 1390-6305 ISSN-e: 2588-0861
2
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas. Universidade Federal do Paraná.
3
Doutor em Políticas Públicas. Professor do Departamento de Turismo atuando no Programa de Pós-Graduação em
Políticas Públicas e no Bacharelado em Turismo. Universidade Federal do Paraná.
4
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Turismo. Universidade Federal do Paraná.
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Juliana Ferreira, Bruno Augusto, Anna Vargas
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Resumo
Em contraponto ao atual modo de produção capitalista, é possível observar o surgimento
de práticas alternativas como o turismo de base comunitária, que tem como alicerces a
integração com o local, o protagonismo comunitário, a autogestão e a cooperação. Os
remanescentes de Quilombos do Vale do Ribeira de São Paulo apostam nesse turismo
como alternativa para seu desenvolvimento. Diante disso, o presente estudo objetiva
analisar o turismo de base comunitária a partir da realidade dos remanescentes de
quilombos do Vale do Ribeira paulista. Para tanto, a partir das abordagens qualitativa e
de estudo de caso, foram analisados a página oficial do Circuito Quilombola e três
documentos elaborados pelo Instituto Socioambiental. Esses documentos traduzem a
realidade das comunidades ao longo dos anos e congregam ões relacionadas ao turismo.
Os resultados apontaram que o turismo é trabalhado em conjunto com princípios da
economia solidária nas comunidades em diversos processos, como na constatação do
interesse na implementação do turismo, nas reflexões e nos debates comunitários, na
inventariação dos patrimônios e na formação de redes entre comunidades. Como
conclusões, é constatado o potencial transformador do turismo como estratégia para o
desenvolvimento e sua eficiência para fortalecer a cultura de solidariedade, de cooperação
e de autogestão. Observou-se que a economia solidária e o turismo são fatores que se
fortalecem mutuamente nessas comunidades.
Palavras-chave: Turismo de base comunitária. Remanescentes de quilombos. Economia
solidária. Comunidades. Vale do Ribeira.
Resumen
En contraste con el capitalismo actual, es posible observar el surgimiento de prácticas
alternativas como el turismo comunitario, que tiene como fundamentos la integración con
lo local, el protagonismo comunitario, la autogestión y la cooperación. Los remanentes
de Quilombos en el Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil, apuestan en este turismo como
alternativa para su desarrollo. Por tanto, este estudio tiene como objetivo analizar el
turismo comunitario a partir de la realidad de los remanentes de quilombos en el Vale do
Ribeira. Desde enfoques cualitativos y de estudio de caso, se analizaron el sitio web
oficial del Circuito Quilombola y tres documentos elaborados por el Instituto
Socioambiental. Estos documentos reflejan la realidad de las comunidades a lo largo de
los años y reúnen acciones relacionadas con el turismo. Los resultados mostraron que el
turismo se trabaja en conjunto con principios de economía solidaria en las comunidades
en diversos procesos, como el interés en la implementación del turismo, en las reflexiones
y debates comunitarios, en el inventario de bienes y en la formación de redes entre
comunidades. Como conclusiones, se comprueba el potencial transformador del turismo
como estrategia de desarrollo y su eficiencia para fortalecer la cultura de la solidaridad,
la cooperación y la autogestión. Se observó que la economía solidaria y el turismo son
factores que se refuerzan mutuamente en estas comunidades.
Palabras claves: Turismo comunitario. Remanentes de quilombos. Economía solidaria.
Comunidades. Vale do Ribeira.
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Juliana Ferreira, Bruno Augusto, Anna Vargas
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Abstract
In contrast to the current capitalist production, alternative practices such as community-
based tourism emerge structured in integration with the local space, community leading
figure, self-management and cooperation. The quilombo remnants in Vale do Ribeira,
São Paulo, Brazil, believe in tourism as an alternative for their development. This
investigation aims to analyze the community-based tourism grounded on the reality of the
quilombo remnants in the Vale do Ribeira. For that, this study engages in qualitative and
case study to analyze the official page of the Quilombola Circuit and three documents
elaborated by Instituto Socioambiental. These documents reflect the reality of these
communities over the years and discuss actions related to tourism. The results evidenced
that the Quilombos develop solidarity economy and tourism in different processes: in the
interest to implement tourism, in the debates, in the cultural inventory and in the networks
formation. The study also indicates the transformative potential of tourism and its
efficiency to promote the culture of solidarity, cooperation, and self-management. The
solidarity economy and tourism are factors that strengthen each other in these
communities.
Keywords: Community-based tourism. Quilombo remnants. Solidarity economy.
Communities. Vale do Ribeira.
Introdução
A sociedade baseada na produção capitalista vem enfrentando dificuldades,
especialmente em virtude da desigualdade, da exclusão social e das tragédias ambientais
decorrentes de alterações climáticas. Em resposta a esse modelo, práticas sociais são
estruturadas com a finalidade de contrapor o modo de produção e de apropriação dos
resultados do trabalho.
Essa organização da sociedade em busca de alternativas frente à exclusão se manifesta
em diferentes áreas, como é o caso do turismo de base comunitária TBC. Segundo Conti
et al. (2018), ao promover a atuação ativa dos comunitários na gestão do turismo, o TBC
pode ser entendido como uma prática que não atua somente no âmbito mercantil, mas que
busca ampliar o sentido de desenvolvimento comunitário.
Para Acosta (2016), a noção de desenvolvimento parte de uma visão ocidental e
eurocentrada e, dada a pluralidade do mundo, é relevante refletir sobre outras experiências
que considerem e respeitem as diferenças e fortaleçam as lutas de povos e nacionalidades,
sobretudo as de grupos periféricos. O Bem Viver, para o autor (ibid), é uma alternativa
que busca apontar uma ética de suficiência para toda a comunidade e não somente para o
indivíduo. Nessa linha, o TBC visa fortalecer o manejo responsável dos recursos,
sobretudo os de cunho social (Graciano & Holanda, 2020; Sampaio & Zamignan, 2012).
As principais características do TBC são: (i) o turismo integrado às demais questões locais
como educação, saúde e meio ambiente; (ii) a iniciativa da própria comunidade que se
apropria dos resultados do trabalho; e (iii) a interação que permite trocas de perspectivas
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e de vivências entre a população e o visitante que transcende a lógica mercantil (Sampaio
& Oyarzun, 2005). Dessa forma, o sentido do desenvolvimento trabalhado pelo TBC
ultrapassa a visão econômica que entende o turismo somente como fonte de riquezas.
Ao incorporar o protagonismo da comunidade local e os princípios que consideram o
território e os empreendimentos locais em prol do desenvolvimento, o TBC passa a ser
uma alternativa socioeconômica com princípios distributivos aliados a busca pelo uso
consciente dos recursos naturais e culturais. Os remanescentes de quilombos do Vale do
Ribeira de São Paulo estão inseridos neste contexto.
As comunidades quilombolas são formadas por sujeitos negros rurais dotados de um
inestimável patrimônio cultural e territorial, por manter tradições de seus antepassados,
muitas delas expressas por meio da agricultura, medicina, religião, mineração,
gastronomia, técnicas de construção e arquitetura, dentre outras formas de expressão
cultural e tecnológica (Anjos, 1999). Tais comunidades representam a luta histórica do
povo negro no Brasil, país caracterizado por séculos de escravidão e de latifúndios
(ROSA, 2007). Por meio dessa resistência, os remanescentes de quilombos preservam a
cultura negra e uma rica agricultura tradicional e sustentável (AGÊNCIA BRASIL,
2018). Para Giacomini (2010), o resgate da ancestralidade e da memória quilombola tem
sido o suporte para mudanças necessárias no sentido da melhoria da qualidade de vida e
do desenvolvimento dessas comunidades. Especificamente as comunidades do Vale do
Ribeira de São Paulo apostam no turismo de base comunitária como meio para o
desenvolvimento. De acordo com o Plano de Desenvolvimento Econômico Sustentável
do Vale do Ribeira (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, 2021),
o local concentra a maior área contínua de Mata Atlântica do Brasil. Assim, grande parte
do território é protegido e habitado por comunidades tradicionais, dentre elas as
comunidades quilombolas.
Com base nisso, de que forma o desenvolvimento do TBC e de outras atividades
correlatas ajudam a melhorar a qualidade de vida da população local? Para responder essa
indagação, este estudo tem o objetivo de analisar o turismo de base comunitária a partir
da realidade dos remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira de São Paulo. Para isso,
foram analisados, a partir das abordagens qualitativa e de estudo de caso, três documentos
que retratam as realidades locais e que nortearam ações relacionadas ao turismo nessas
comunidades e a página oficial do Circuito Quilombola, um roteiro que congrega recursos
e atrativos dos territórios quilombolas.
O artigo está estruturado, além dessa introdução, a partir do referencial teórico que
explora principalmente as produções científicas sobre TBC. Em seguida, são apresentadas
a descrição dos documentos e a análise dos mesmos. Ao final, as considerações finais
destacam os principais achados da pesquisa.
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Referencial teórico
O desenvolvimento comunitário, de acordo com Pateo & Sígolo (2006), implica
uma cultura de cooperação e de solidariedade, que abarca tanto a produção de bens
necessários para a sobrevivência até a constituição de espaços de lazer, educação etc. Essa
cultura solidária abrange toda a comunidade e os une a partir da experiência de seus
membros: a relação entre as pessoas, sem o envolvimento de dinheiro ou de mercadorias,
para que esses indivíduos exerçam sua criatividade e se reconheçam naquilo que fazem
(ibid).
A solidariedade é fundamentalmente uma assistência recíproca ou o compartilhamento
empático motivado pela identificação com uma situação (Comparato, 2006; Abbagnano,
2007) e, para tanto, existe a necessidade de os indivíduos serem expostos a realidades
distintas. Nessa linha, Comparato (2006) afirma que a constituição de uma comunidade
solidária perpassa todos os cidadãos e deve ser visto como um objetivo mais realista do
que prosseguir no caminho da globalização capitalista, que garante benefícios a uma
minoria forte e rica, porém tende a desordem econômica, ao conflito generalizado e a
desigualdade social.
Acosta (2016) destaca as experiências de comunidades como as indígenas amazônicas,
cujas práticas estão alicerçadas na solidariedade. Essas comunidades vivem em harmonia
com a natureza e não são excludentes porquanto reconhecem as contribuições dos
diferentes grupos sociais, mas conferem importância fundamental às suas particularidades
culturais. Dessa forma, o autor (ibid) observa a existência de práticas dentro da realidade
do sistema capitalista que objetivam emancipar os sujeitos a partir de suas raízes
comunitárias, por meio de experiências como a autossuficiência e a autogestão.
Uma das práticas que podem ser utilizadas em favor da solidariedade é o turismo, em
especial o de base comunitária, sobretudo se aliado a outras práticas com o mesmo
enfoque, como a economia solidária. Bursztyn (2009) assevera que a economia solidária
pode proporcionar a inclusão de grupos que vivem no entorno de regiões que têm no
turismo uma de suas bases econômicas, uma vez que a atividade busca gerar melhorias e
benefícios para as comunidades. Nessa esteira, Lisboa (2017) enfatiza que a economia
solidária é a afirmação da centralidade da ética solidária dentro da economia
contemporânea.
Para Mineiro (2007), ao integrar turismo e economia solidária, o desenvolvimento passa
a ser o foco a partir de alternativas viáveis para geração de trabalho, de renda e de outras
melhorias na qualidade de vida. Ademais, as conquistas das necessidades básicas da
comunidade passam a ser valorizadas, por meio da organização coletiva, de novas formas
de produção, de redução das desigualdades e da difusão dos valores solidários (ibid).
Conexões entre economia solidária e TBC são também validadas por Conti et al. (2018),
com destaque para a autogestão, a cooperação e a ão econômica que tem como
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protagonistas as comunidades. Tais características estão presentes tanto na economia
solidária quanto no TBC que compartilham semelhanças em suas bases teóricas e em seus
princípios. Entretanto, os referidos autores (ibid) esclarecem que existem divergências na
forma de concretização das pautas políticas, uma vez que o TBC não tem aderência às
reinvindicações do movimento de economia solidária e suas demandas não estão
presentes na agenda de políticas públicas de economia solidária. , portanto, um
distanciamento nos processos de institucionalização das duas perspectivas nas políticas
públicas brasileiras. Segundo Irving (2009), o sentido comunitário extrapola a visão de
‘comunidades tradicionais’. O autor sustenta que não se trata apenas de uma visão
simplista e estereotipada de um grupo social desfavorecido que recebe outsiders curiosos.
Pelo contrário, refere-se ao coletivo, a uma atividade que favorece a coesão, o laço social
e o sentido coletivo de vida em sociedade (ibid). Dessa maneira, o turismo promove a
qualidade de vida, a inclusão e a valorização da cultura local, além de reforçar o
sentimento de pertencimento.
Bursztyn, Bartholo & Delamaro (2009) ratificam este argumento e complementam
apontando que o TBC não diz respeito a percorrer rotas exóticas e diferenciadas do
turismo de massa. Portanto, não se trata de um produto que é pautado no uso
“responsável” dos recursos naturais e culturais, como preconiza os princípios do
ecoturismo, pois para além do “produto responsável” o turismo de base comunitária parte
da diferenciação do modo de reprodução da vida (Fletcher, 2016).
Esse turismo remete a outro modo de visita e de hospitalidade que tem grande significado
para melhorar a qualidade de vida das comunidades (Bursztyn et al., 2009). Entretanto, é
importante ter em mente que os empreendimentos de TBC não são isentos de influências
externas, de divergências internas e de conflitos de interesse (ibid). Por isso, é relevante
pensar em uma política de turismo integrada a uma política de desenvolvimento mais
ampla, com foco na inclusão social por meio da afirmação da identidade cultural e da
cidadania como suporte ao exercício efetivo de liberdades (Bursztyn et al., 2009; Cruz,
2009).
O TBC requer que a comunidade seja sujeita e não objeto do processo (Irving, 2009).
Portanto, a participação da comunidade e a valorização da cultura local são fundamentais.
O autor ressalta que o encontro entre identidades, no sentido de compartilhamento e de
aprendizagem mútua é uma condição para este turismo (ibid). O planejamento da
atividade, portanto, deve considerar o compromisso ético com ‘quem está’ e com ‘quem
vem’.
Assim, é salutar que o turismo de base comunitária seja trabalhado em conjunto com
outras formas de reprodução social. Timothy (2012) corrobora com esta visão e
argumenta que o foco no meio natural e cultural busca promover melhores condições de
vida para a comunidade por meio da criação de trabalho, da conservação da natureza e da
cultura, sobretudo por meio do empoderamento.
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O empoderamento comunitário envolve a inclusão dos residentes na tomada de decisão e
cria relações mais equitativas entre as partes interessadas no turismo (Timothy, 2012).
Como desdobramentos do empoderamento, o referido autor destaca o econômico, no
sentido dos ganhos monetários e da criação de condições para que a comunidade participe
das vantagens econômicas do turismo, e o político, o qual se refere a mecanismos que
permitem que a comunidade tenha voz no planejamento, na tomada de decisão e na
autonomia para iniciar ou estabelecer limites ao turismo. O empoderamento traz
responsabilidade para os cidadãos com o surgimento de lideranças e com a possibilidade
de geração de capital social, como também permite maior solidariedade e fortalecimento
da autenticidade cultural. Tendo em vista os conceitos e princípios expressos no TBC, a
próxima seção aborda a metodologia adotada a este estudo, tendo como foco as
comunidades remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira paulista.
Metodologia
Para analisar o turismo comunitário a partir da realidade dos remanescentes de
quilombos do Vale do Ribeira de São Paulo, a abordagem qualitativa foi empregada, uma
vez que tem a finalidade de descrever a complexidade do mundo concreto e observar
processos dinâmicos vividos por grupos sociais, como também verificar a interação de
certas categorias analíticas (Richardson, 1999). Tendo em vista o aprofundamento da
realidade investigada, o artigo concentrou-se também em um estudo do caso dos
remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira paulista. De acordo com Veal (2011),
este método guarda similaridade com a pesquisa qualitativa, sobretudo quando envolve
um universo limitado. O estudo de caso envolve o aprendizado sobre um fenômeno
específico, o qual pode se referir a indivíduos, comunidades, organizações ou países
inteiros (ibid).
A análise documental foi a técnica escolhida para o estudo, com ênfase na descrição dos
fatos e fenômenos da realidade estudada. Os dados foram coletados na página oficial do
Instituto Socioambiental ISA , uma Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público que tem o objetivo de estimular soluções para questões sociais e ambiental com
ênfase na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente,
ao patrimônio cultural e aos direitos humanos (Instituto Socioambiental, 2021). No Vale
do Ribeira, o ISA atua em parceria com associações quilombolas locais, prefeituras e
organizações da sociedade civil, propondo e implementando projetos de desenvolvimento
sustentável, de geração de renda e de qualidade de vida das comunidades tradicionais do
Vale do Ribeira (ibid).
Ao todo, foram analisados três documentos elaborados pelo ISA que nortearam as ações
relacionadas ao turismo nas comunidades remanescentes de quilombos do Vale do
Ribeira de São Paulo, e o site do Circuito Quilombola. Os três documentos foram
escolhidos por serem significativos, pois retratam momentos distintos das comunidades,
referem-se à situação socioeconômica e cultural delas e abordam o turismo comunitário
como oportunidade econômica para as comunidades. Os documentos são: (i) Agenda
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Socioambiental de Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira, de 2008; (ii) Relatório
Técnico do I Encontro Nacional de Turismo em Comunidades Quilombolas, de 2010; (iii)
Inventário Cultural de Quilombos, de 2013. Por fim, foi também analisada a página oficial
do Circuito Quilombola, um roteiro previamente definido pelas comunidades com o
auxílio do ISA que tem como base os recursos e atrativos dos remanescentes de
quilombos do Vale do Ribeira paulista.
Para as análises, os documentos foram lidos e neles foram levantados, além do histórico,
menções sobre desenvolvimento local, cooperativismo, autogestão relacionados ao TBC,
caracterizando os direcionamentos trazidos por esses documentos. a página oficial do
Circuito Quilombola foi visitada para averiguar os projetos e atividades desenvolvidos,
bem como os patrimônios e histórico ali abordados como atrativos turísticos. Os
resultados da coleta e análise são expostos nas seções a seguir.
Resultados
Com a finalidade de apresentar os documentos elaborados pelo ISA e a página do
Circuito Quilombola, em princípio, optou-se pela descrição dos dados para, em seguida,
desenvolver as análises com base na fundamentação teórica. Assim, esta seção está
dividida em duas etapas que se complementam.
Comunidades Quilombolas do Vale Do Ribeira, São Paulo, Brasil
O Vale do Ribeira está localizado entre os estados de São Paulo e Paraná. De
acordo com a Agenda Socioambiental de Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira,
apesar de ter sido uma das regiões exploradas de forma intensa ao longo da história, o
Vale do Ribeira do século XXI permanece com um significativo patrimônio
socioambiental (Instituto Socioambiental, 2008), o qual abrange a Bacia Hidrográfica do
Rio Ribeira de Iguape e o Complexo Estuarino Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá,
formando um Mosaico de Unidades de Conservação, que concentra a área contínua mais
preservada da Mata Atlântica. Em 1999, a região foi reconhecida pela UNESCO como
"Reserva da Biosfera do Patrimônio Mundial", dada a relevância dos bens
socioambientais preservados. A diversidade cultural é transcrita na ocupação do território
por povos originários e comunidades tradicionais caiçaras, indígenas e quilombolas
(ibid).
O documento apresenta segmentos relacionados ao desenvolvimento local e às
especificidades das comunidades, que expõem necessidades atreladas à produção de bens
e aos aspectos culturais, educacionais e de lazer. Ao lado desses, uma demanda apontada
por 7 comunidades com alto nível de prioridade foi o turismo, considerado por elas como
meio para o desenvolvimento.
A demanda pelo turismo é mencionada de maneira específica e por segmento, como
ecoturismo e turismo cultural, o que demonstra conhecimento acerca de suas vocações e
potencialidades. Entre os aspectos que sugerem a intenção de incentivar o turismo podem
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ser destacadas, para além da alternativa de trabalho e renda, as restrições de uso de áreas
protegidas que necessitam de manejos específicos conforme determinam as legislações
ambientais que regulam o mosaico de Unidades de Conservação presentes no território.
De acordo com o documento (Instituto Socioambiental, 2008), a região faz parte do
circuito turístico das Cavernas da Mata Atlântica, no Parque Estadual Turístico do Alto
do Ribeira, o qual é um importante atrativo da região, tendo em vista que se trata de um
dos mais antigos parques ambientais do Estado de São Paulo. Criado em 1958, o parque
é referência para o turismo na região. Outro aspecto relevante abordado no documento é
a menção ao turismo cultural, pois além do turismo na natureza, as comunidades apontam
o interesse de reconhecer seu patrimônio cultural imaterial como aspecto de atração de
fluxos ou composição junto ao turismo relacionado aos aspectos ambientais.
As comunidades são organizadas em associações formadas pelos residentes nas
comunidades, sendo que algumas delas são consolidadas e foram criadas entre as décadas
de 1980 e 90. Tais associações tratam da organização, da autonomia interna e externa e
representação das comunidades em diversos âmbitos, tais como eventos, negociações da
produção, ações de promoção e comercialização, e diálogos institucionais com
pesquisadores e outras comunidades (Instituto Socioambiental, 2008). Ademais, por
serem figuras representativas da coletividade, as associações incentivam a participação
dos comunitários nas atividades desenvolvidas e nas decisões a serem tomadas em
assembleias (ibid). Segundo a Agenda (ibid), a atuação das associações é fundamental
para que as demandas da comunidade sejam atendidas, baseadas na solidariedade e na
cooperação entre os indivíduos participantes, com foco no desenvolvimento e na
autonomia das comunidades.
O Relatório Técnico do I Encontro Nacional de Turismo em Comunidades Quilombolas
(Instituto Socioambiental, 2010), realizado no município de Registro, São Paulo, foca
principalmente no desenvolvimento do TBC em quilombos. No documento, as
comunidades se colocam em uma posição de não somente almejar a atividade turística,
mas de participantes efetivos do processo, que possuem conhecimento inclusive dos
impactos negativos, como por exemplo a entrada de drogas em algumas comunidades.
No Relatório (ibid), a autogestão é entendida como um dos resultados do
desenvolvimento do turismo. Anexo ao Relatório, há também a Carta Aberta destinada à
sociedade brasileira e assinada por comunidades participantes do Encontro. A Carta
abrange questões pertinentes à luta quilombola, à melhoria de qualidade de vida, à
importância do reconhecimento das culturas quilombolas, à conservação das regiões onde
se localizam e, em especial, à territorialidade. O documento (ibid) unifica tais questões
com o TBC, entendido como promotor de desenvolvimento e canalizador da conservação
do meio ambiente e de suas culturas. Com o entendimento das potencialidades e dos
impactos do TBC e com a exposição de comunidades quilombolas que desenvolvem
atividades correlatas ao turismo, evidências de que o evento proporcionou ambientes
favoráveis para a reflexão acerca do turismo como uma opção para o desenvolvimento.
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O Inventário Cultural (Instituto Socioambiental, 2013) consolida as referências geradas e
registradas ao longo de mais de cinco anos de construção de propostas de
desenvolvimento para a região. Em sua apresentação, o documento revela que a demanda
pelo levantamento dos bens culturais nasce das comunidades com o intuito de registrar
suas manifestações e formas de vida para que a sociedade brasileira construa o
conhecimento acerca da cultura do povo quilombola. É também destacado no documento
a necessidade de reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades que vivem sob
ameaça de diferentes conflitos de interesse sobre seu território como, por exemplo, a
construção de barragens. O Inventário (ibid) foi estruturado com o objetivo de identificar
e registrar os bens culturais, materiais e imateriais de 16 comunidades quilombolas do
Vale do Ribeira de São Paulo, divididos em celebrações, formas de expressão, ofícios e
modo de fazer, lugares e edificações. O documento descreve os aspectos gerais do
processo participativo de construção e as metodologias específicas trazendo a memória
das oficinas realizadas com as lideranças, os comunitários e os estudantes das escolas
locais.
Entre os registros, as falas dos participantes que constam no documento resultaram em
uma série de vídeos que atualmente podem ser acessados em uma plataforma digital
criada em 2017 (https://www.quilombosdoribeira.org.br/, recuperado em 16, março,
2021) a qual apresenta informações sobre cada quilombo, suas lutas, seus patrimônios e
forma de visitação turística nas comunidades.
Não obstante a região do Vale do Ribeira paulista disponha de um notável patrimônio
natural, o Inventário Cultural (Instituto Socioambiental, 2013) considera e registra as
diferenças culturais entre as comunidades quilombolas, colocando em destaque a
pluralidade e a riqueza dos bens culturais materiais e imateriais ali encontradas.
Por fim, a página oficial do Circuito Quilombola
(https://www.quilombosdoribeira.org.br/circuito, recuperado em 16, março, 2021)
emerge como resultado da articulação entre as comunidades e como reflexo e
amadurecimento das discussões sobre a temática do turismo de base comunitária,
observado ao longo dos anos e retratada nos documentos anteriormente descritos. O
Circuito está em operação desde 2012 e foi criado por iniciativa das comunidades
quilombolas do Vale do Ribeira com o apoio do ISA (ibid). Atualmente, o Circuito
congrega 16 comunidades (ibid), sendo que todas estão contempladas no Inventário
Cultural e 11 delas fizeram parte da Agenda Socioambiental de Comunidades
Quilombolas do Vale do Ribeira.
Diante da proximidade territorial e da influência da cultura caiçara, o Circuito (ibid)
abarca atrativos semelhantes, sobretudo no que se refere aos atrativos gastronômicos, aos
artesanatos e às festividades, que podem ser considerados patrimônios materiais e
imateriais, que se referem à identidade, à memória e à tradição dos comunitários.
Observa-se que no Circuito, os atrativos são trabalhados de acordo com as especificidades
Turismo de Base Comunitária em Remanescentes de Quilombos
Juliana Ferreira, Bruno Augusto, Anna Vargas
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territorial e cultural, sendo que a oralidade, o modo de viver e a expressividade do
conhecimento tradicional são evidenciados.
Os atrativos que integram o Circuito apontam que cada quilombo possui não somente
atrativos naturais peculiares, mas produções, estilos de vida, conhecimento tradicional,
história de luta, força e sobrevivência, festividades e gastronomia ímpares. O Circuito
assume uma postura consciente do trabalho desenvolvido nas comunidades quilombolas,
a partir da junção de esforços das associações, dos comunitários e dos técnicos de órgãos
públicos e de organizações não governamentais. A partir da descrição do conteúdo dos
documentos, a seção seguinte busca analisar com maior profundidade o TBC na realidade
das comunidades estudadas.
Turismo de Base Comunitária: uma Análise das Comunidades
Remanescentes de Quilombo no Vale do Ribeira Paulista
Os três documentos e a página do Circuito Quilombola demonstram a sequência
de debates acerca do desenvolvimento das comunidades que interpela o TBC:
inicialmente com a Agenda, em 2008, seguida pelo Relatório Técnico do I Encontro
Nacional de Turismo em Comunidades Quilombolas, em 2010, e pelo Inventário Cultural,
em 2013, e, por fim, culminando com o Circuito Quilombola, que está em atividade. Ao
longo desses anos, as demandas e prioridades foram coletadas junto às comunidades e o
interesse pelo turismo foi verificado. Considera-se, portanto, um processo de tomada de
decisão para iniciar as atividades turísticas, o que demonstra autonomia para delimitar
preferências das comunidades.
Dessa forma, ocorreu um processo de entendimento e de amadurecimento do TBC como
possibilidade de desenvolvimento, por meio da discussão do tema no coletivo de
comunidades. Isso contribui para o processo de compartilhamento de experiências,
fortalecendo, dessa forma, o trabalho cooperativo e solidário dentro das comunidades e
entre elas.
Os documentos analisados reforçam que as características e patrimônios cultural e natural
despontam como elementos capazes de incrementar o turismo nas comunidades. O TBC,
ao ser realizado com os atrativos naturais da região (como o Mosaico de Unidades de
Conservação) e de forma a agregar outras comunidades, como é feito no Circuito
Quilombola, pode impulsionar ainda mais os ganhos com a atividade.
Assim, o turismo de base comunitária é entendido como uma estratégia viável para esses
quilombos, ao passo que a atividade é planejada e ordenada por e para a comunidade,
possibilitando, conforme Timothy (2012) assevera, o empoderamento econômico, com a
geração de renda, e o político, a partir da autonomia das comunidades para decidir os
rumos da atividade. Tais pontos podem reverberar em diversas áreas das comunidades e
inclusive auxiliar a melhorar a qualidade de vida e evitar o êxodo dos jovens. Essas são
demandas comuns destacadas na Agenda Socioambiental de Comunidades Quilombolas
do Vale do Ribeira.
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A partir da análise dos documentos, é possível observar a incorporação de estratégias para
gestão coletiva do turismo por intermédio das associações comunitárias. Tais associações,
constituídas pelos residentes das comunidades, destacam os processos de tomada de
decisão feita pelos comunitários. Nesse âmbito, suas peculiaridades culturais, históricas
e territoriais são enfatizadas, o que confere relevância para a experiência de organização
dessas comunidades e fortalece a luta desses povos tradicionais. Esse ponto vai ao
encontro dos apontamentos de Acosta (2016) sobre experiências que consideram e
respeitam os diferentes e incluem comunidades periféricas em busca da solidariedade.
Além disso, a página do Circuito Quilombola apresenta a diversidade de atrativos que
enfatizam os modos de vida locais, o que, conforme Bursztyn et al. (2009) e Irving (2009)
ressaltam, são fatores que tratam do modo de visita e de hospitalidade e que diferenciam
o TBC de outras atividades turísticas. Considera-se que estes fatores auxiliam a promover
a melhoria da qualidade de vida e a autonomia das comunidades.
O sentimento das comunidades apresentadas invoca a autonomia. Esse conceito está
vinculado à liberdade dos comunitários na tomada de decisões em questões políticas,
econômicas e sociais. A cultura e a forma de organização, fundamentadas na
solidariedade, assumem papéis incentivadores desta autonomia. Neste sentido, a
compreensão do turismo como uma prática que fortalece a existência humana ao focar
“em iniciativas que buscam a população e comunidades locais enquanto narradores e
protagonistas de suas atividades produtivas, deslocando a ação utilitarista para o
impulsionamento de ações emancipatórias” (Souza, 2016, p. 118).
Em relação à autonomia das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira paulista, é
possível observar que, apesar de possuírem dificuldades comuns, cada comunidade
acredita em estratégias de desenvolvimento que melhor se encaixam em suas
características. O TBC é exposto como alternativa a ser trabalhada de acordo com a
realidade e vocação de cada comunidade.
A forma de organização dos quilombos, apontada nos documentos descritos, tem como
base a autogestão preconizada por Nascimento (2003) como um ideal de democracia
econômica e gestão coletiva que azo a um novo modo de produção. Observa-se que
essa forma de organização está relacionada aos princípios solidários, ou da economia
solidária, que possibilita e resguarda a coletividade e a autonomia de cada comunidade
diante da sociedade como um todo e, ao mesmo tempo, atua na representatividade política
e econômica do coletivo social e cultural quilombola.
Diante disso, é possível notar que princípios solidários da economia solidária, e o TBC
são trabalhados em conjunto nos quilombos analisados em diversos processos, mas
sobretudo (i) na constatação do interesse na implementação do turismo como estratégia
para o desenvolvimento; (ii) nas reflexões e nos debates comunitários acerca dos impactos
do TBC no modo de vida e na cultura; (iii) na inventariação dos patrimônios para agregam
o Circuito Quilombola; e (iv) na formação de rede entre os quilombos, fortalecido com a
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atuação das associações, para compartilhamento de experiências e dificuldades. Portanto,
é possível verificar a conexão entre o TBC e a economia solidária nas comunidades
investigadas, corroborando com os estudos teóricos de Conti et al. (2018).
A partir da descrição e da análise dos documentos e da página oficial do Circuito
Quilombola, parte-se, a seguir, para as considerações finais do estudo.
Considerações Finais
A presente investigação teve como objetivo analisar o turismo de base comunitária
a partir da realidade dos remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira de São Paulo.
Para isso, foram desenvolvidas discussões teóricas e análises da página oficial do Circuito
Quilombola e de documentos elaborados pelo ISA - Instituto Socioambiental.
As reflexões e apontamentos mencionados nos documentos deixam evidente a demanda
das comunidades com relação ao TBC. Entretanto, a partir da reflexão sobre os impactos
positivos e negativos da atividade, as comunidades se mostram cientes do ambiente
organizacional e comunitário que o turismo proporciona, unindo e estabelecendo diálogos
a fim de minimizar os malefícios ou de discutir medidas para potencializar os benefícios
da atividade. Assim, o potencial transformador do turismo como estratégia para o
desenvolvimento pode ser observado.
Embora o turismo, em sentido amplo, esteja atrelado ao modo de produção capitalista e,
como analisa Fletcher (2019), é um componente central no curso da construção da
finalidade política e econômica neoliberal, é possível observar modos de reprodução
socioeconômica que contrapõem o modelo hegemônico e que se dedicam a repensar as
suas práticas sociais ao valorizar a cultura de comunidades, deixando-a disponível
inclusive para os visitantes, mas não restrito a eles. Neste caso, os remanescentes de
quilombos e suas lutas socioculturais e territoriais fomentam o respeito e a relação dos
seres humanos com suas terras, por meio de experiências advindas do contato entre
sujeitos com diferentes realidades, valores e culturas. O turismo de base comunitária é
um desses segmentos que vem ganhando cada vez mais destaque nas comunidades
quilombolas do Vale do Ribeira paulista.
No caso analisado, a relação entre TBC e economia solidária traz como principal lição a
importância de vislumbrar o turismo planejado como uma atividade com potencial de
desenvolvimento local. Contudo, é fundamental não colocar toda a motivação e o desejo
de melhora da qualidade de vida da comunidade somente nessa atividade. Pontos como
as vocações e especificidades (socioculturais, naturais e econômicas) de cada
comunidade, o envolvimento e participação do grupo são cruciais para que a atividade
resulte em benefícios feitos por e para o grupo.
O TBC se mostra eficiente inclusive ao fomentar a cultura de solidariedade nos
quilombos, especialmente por meio da cooperação e da autogestão. À medida que os
comunitários se notam pertencentes à atividade, como no Circuito Quilombola, seja por
meio da sua relação com o território que passa a ser explorado também por visitantes, seja
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por meio da troca cultural estabelecida, das decisões tomadas conjuntamente ou da
geração de divisas para a localidade, os indivíduos cada vez mais se sentem beneficiários
de suas próprias ideias e se reconhecem no objeto de sua força de trabalho.
Diante das investigações realizadas, observou-se que a economia solidária e o turismo de
base comunitária são fatores que se fortalecem mutuamente nas comunidades. Esses são
aspectos que devem caminhar juntos e de forma sinérgica em prol da inclusão social, do
desenvolvimento local, da valorização sociocultural e da melhora na qualidade de vida
dos remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira de São Paulo e de outras
comunidades tradicionais que se proponham a trabalhar com o TBC.
Esta investigação teve como limitações a ausência de dados primários, como entrevistas
e relatório de observação in loco, que poderiam complementar as análises do caso
estudado. Em parte, essa limitação foi atendida por meio de visitação, feita por dois
autores do estudo, a uma das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira de São Paulo
que faz parte do Circuito e é contemplada pelos três documentos analisados.
Não obstante as limitações, o artigo é relevante por averiguar documentos significativos
e elaborados de forma participativa com base na realidade e nas demandas dos
remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira paulista. Tal análise permite a proposição
de implicações práticas e teóricas no sentido de incentivar as associações que retratam a
coletividade das comunidades e os demais responsáveis por fomentar a organização e o
planejamento do TBC, tendo em vista aproximar as ações de turismo e de economia
solidária. as implicações teóricas trazidas por este estudo caminham na direção de
respaldar investigações científicas que destacam o vínculo entre turismo e economia
solidária, bem como os que abordam o turismo de base comunitária como meio de
desenvolvimento para povos tradicionais. Por fim, pesquisas futuras podem se concentrar
em analisar o TBC em comunidades oriundas de outras regiões brasileiras, buscando
verificar de que forma a organização do turismo pode auxiliar no desenvolvimento das
remanescentes de quilombos.
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